"Os casos ocorreram em épocas distintas e estados diferentes, mas isto não encobre as semelhanças entre ambas as situações, no que diz respeito ao modus operandi dos criminosos, embora os resultados finais sejam opostos, assim como as ações policiais e o alcance de divulgação das ocorrências".
No final da última semana as redes sociais foram tomadas por fotos da menina Fabíola Tormes. A criança de apenas 4 anos foi sequestrada em casa por um casal, na noite do dia 18/12/2020. A ação criminosa aconteceu no município de Palhoça/PR. A ocorrência possui semelhança com um fato ocorrido no distante ano de 1973, quando o menino Carlos Ramires foi arrebatado de casa, em 2 de agosto, aos 10 anos, no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, e levado por 1 homem armado para local ignorado. O crime aconteceu às escuras, pois a energia da residência foi cortada, fato que dificultou a visão do sequestrador.
Os casos ocorreram em épocas distintas e estados diferentes, mas isto não encobre as semelhanças entre ambas as situações, no que diz respeito ao modus operandi dos criminosos, embora os resultados finais sejam opostos, assim como as ações policiais e o alcance de divulgação das ocorrências. Justamente esta comparação possibilita mostrar o quanto atualmente é mais fácil encontrar uma criança desaparecida, a partir do momento em que os recursos de busca foram mais aprimorados do que as alternativas de ações criminosas, fazendo com que o sequestrador de um menor fique cercado diante de elementos como as divulgações nas redes sociais - nas quais se incluem veículos de comunicação e populares que abraçam a causa, além de órgãos governamentais - , os sistemas de reconhecimento facial, os bancos de dados e os trabalhos de progressão digital. Daí uma evolução no processo investigativo, aliada à maior capacitação da polícia, que traz à tona uma possibilidade muito significativa de êxito no desfecho de um caso, conforme ocorreu com a menina de Palhoça.
Em 1973 não existiam redes sociais e nem os recursos já citados. A divulgação ficava por conta de emissoras de televisão, jornais e revistas, sendo que estes dois últimos publicavam as informações com mais atraso do que os canais televisivos. Não havia divulgação imediata e permanente, conforme acontece hoje. Além disto, a polícia do Rio de Janeiro não estava acostumada a lidar com este tipo de ocorrência. Tratava-se de uma novidade. Por isto adotou uma postura amadora de acordo com os critérios de hoje. Chegou ao ponto de agentes marcarem um encontro com um suposto sequestrador, tendo a imprensa presente no entorno. O processo investigativo levou a vários suspeitos, mas nada foi comprovado. O pai do menino Carlinhos, João Mello, chegou a ser preso, acusado de envolvimento no sequestro do filho. Sem provas, ele foi solto posteriormente. As falhas inviabilizaram a localização da criança. Até hoje, com todos os recursos existentes o paradeiro de Carlinhos é ignorado. Atualmente ele estaria com 52 anos. Já apareceram mais de 10 homens dizendo ser o garoto sequestrado, mas os exames de DNA provaram o contrário.
A ocorrência de 2020 foi amplamente divulgada. Em questão de horas, o rosto da criança desaparecida tomava sites e redes sociais, alcançando todo o Brasil e o mundo, em uma exposição permanente. Acrescente-se a este cenário positivo o relevante trabalho das forças de segurança do Estado de Santa Catarina. Uma ação integrada que localizou a menina Fabíola em menos de 48 horas. O sequestro ocorreu no dia 18 de dezembro e já estava elucidado na madrugada do dia 20. A Polícia Civil participou com várias delegacias, agindo em conjunto com a Polícia Militar. Trabalharam com todas as possibilidades, checando, sem exceção, as informações às quais tiveram acesso. O empenho culminou na invasão ao cativeiro, localizado na região norte de Florianópolis. Fabíola Tormes foi resgatada com vida e se referiu aos policiais como "heróis". Os sequestradores foram presos. A criança já retornou ao convívio familiar. A história do sequestro foi abordada pelo ccdesap na postagem
Talvez o sequestro de Carlinhos tivesse outro desfecho, caso acontecesse nos dias de hoje. A ampla divulgação e os procedimentos policiais atuais são fatores que favoreceriam a elucidação do caso. Basta dizer que o Rio de Janeiro conta com uma unidade especializada em casos de desaparecimento, a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA). Também conta com a a atuação da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), que através do programa SOS Crianças Desaparecidas já atuou no resgate de mais de 3 mil menores. A ação voluntária das redes sociais e de entidades ligadas à causa das crianças desaparecidas também são muito válidas. Determinadas campanhas alcançam milhões de pessoas e proporcionam a volta ao lar de várias crianças. Ultrapassam as fronteiras nacionais, dentro de um tempo no qual é possível conseguir pistas que levem ao paradeiro de um menor desaparecido. O mais impressionante é que mesmo diante desta evolução no processo de busca, ainda existem crianças desaparecidas. Em maio e 2020 o Rio de Janeiro tinha 575 crianças desaparecidas, segundo informação do Governo do Estado. Em termos de Brasil, 40 mil crianças desaparecem por ano e 10 a 15 por cento delas não retornam ao lar.